BIOGRAFIA
Hilda Hilst (1930-2004) foi uma escritora, poeta e dramaturga brasileira, considerada uma das vozes mais ousadas e inovadoras da literatura do século XX no Brasil. Nascida em Jaú, São Paulo, formou-se em Direito, mas dedicou-se desde cedo à escrita. A sua obra transita entre poesia, ficção, teatro e crónica, abordando temas como amor, morte, misticismo, loucura e sexualidade com intensidade e linguagem refinada. Hilst não se furtou a experimentar formas narrativas e a provocar o leitor, explorando também o erotismo de forma frontal, especialmente nas obras publicadas a partir dos anos 1990. Viveu grande parte da vida na Casa do Sol, em Campinas, espaço que se tornou refúgio e ponto de encontro de artistas e intelectuais. Embora durante muito tempo tenha sido considerada uma autora “de culto”, a sua obra foi progressivamente redescoberta e valorizada, especialmente no século XXI, com novas edições e traduções. Hilda Hilst é hoje reconhecida como uma das escritoras mais originais da literatura brasileira, capaz de conciliar rigor estético e experimentação radical, sempre com um olhar profundo sobre a condição humana.
ET NUNC MANET IN TE
INÊS DIAS
Meu amor,
a casa está tão sozinha que
os pássaros vêm morrer lá dentro.
Nada mudou, mas falta
a mão para acariciar o gato
e acolher a ninhada secreta,
o sorriso que enchia o tanque
e fazia crescer a horta.
Já ninguém apanha as laranjas mais altas
ou usa a sombra da nogueira.
E até os ciprestes se tornaram redundantes
ao ponto de os abatermos:
a ausência diz-se melhor no esplendor
inútil das rosas sem esse olhar,
nas papoilas raras que duram
o tempo de uma fotografia.
Um dia, deixaremos também uma casa assim,
casulo abandonado a sobreviver-nos.
Um de nós escutará as asas ansiosas
na chaminé, antes de pousar o livro
e amparar o último pássaro.
Só parecerá menos triste
porque não teremos, então,
nada mais a perder.